A Unicidade do Direito

Na missão de encontrar o significado dos textos legais, o intérprete necessita enxergar o Direito como uno. Apesar de existirem princípios próprios que moldam os diversos ramos do Direito, cada subsistema não pode ser pensado isoladamente, como se fosse uma ciência autônoma que dispensasse qualquer aproximação.

Juarez Freitas salienta que “numa interpretação tópico-sistemática consciente, o Direito passa a ser visto como um só, variando, embora, em grau, a intensidade dos princípios que regem os subsistemas, os quais devem harmonia com os princípios hierarquizados como fundamentais” (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 288).


Nessa visão mais ampla de sistema jurídico, todas as suas partes guardam conexão entre si. Conforme Juarez Freitas , “cada preceito deve ser visto como parte viva do todo, porque apenas no exame de conjunto tende a ser melhor equacionado qualquer caso, quando se almeja uma bem-fundada hierarquização tópica dos princípios tidos como proeminentes” (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 70).

Fazendo uma reflexão no âmbito tributário a respeito da totalidade do sistema jurídico, Alfredo Augusto Becker define que “as regras jurídicas que geram as relações jurídicas tributárias são regras jurídicas organicamente enquadradas num único sistema que constitui o ordenamento jurídico emanado de um Estado” (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. São Paulo: Lejus, 1998. p. 116). É necessário, conforme o referido autor, “extrair a regra jurídica contida na lei, relacionando esta com as demais leis do sistema jurídico vigente (plano horizontal) e sistemas jurídicos antecedentes (plano vertical)”.

A partir dessa premissa, devemos enxergar as leis tributárias dentro de um sistema e, portanto, suscetíveis de receberem o mesmo tratamento do exegeta. Alfredo Augusto Becker também reconhece que, apesar de quase todos os doutrinadores modernos chegarem à mesma conclusão, a maioria ainda tem certas ressalvas e adaptações.

Contribuinte Pessoa Física

O conceito de contribuinte não se limita às pessoas jurídicas. Existem situações que alcançam cidadãos que nem imaginam que possuem tal perfil, ficando sujeitos à cobrança de qualquer tributo pelos entes competentes nos termos da legislação vigente.

Em relação ao ICMS, dispõe a Lei Complementar nº 87/96 no seu artigo 4º que será considerado como contribuinte qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações e/ou prestações de serviço que sobre as quais incida o ICMS. É o caso de comércio de roupas a domicílio – recorrente forma de renda para muitos brasileiros – quando o vendedor estará promovendo o fato gerador do ICMS tanto quanto um estabelecimento comercial regularmente estabelecido. Apesar de o volume de vendas geralmente ser reduzido se comparado com uma grande loja varejista, tal espécie de comercialização enquadra-se entre as hipóteses de incidência do ICMS, sujeitando o cidadão, na condição de contribuinte, ao pagamento do imposto. Portanto, devemos estar atentos às hipóteses de incidência não somente do ICMS, mas de qualquer tributo cuja eventual cobrança – no trânsito de mercadorias, por exemplo – possa causar sérios prejuízos ao cidadão.

As Alíquotas Interestaduais do ICMS

A Resolução nº 22/89 do Senado Federal definiu as alíquotas aplicáveis nas operações interestaduais.

RESOLUÇÃO N° 22, DE 1989

    Estabelece alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais.

    Art. 1° A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento.

    Parágrafo único. Nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão:

    I – em 1989, oito por cento;

    II – a partir de 1990, sete por cento.

    Art. 2° A alíquota do imposto de que trata o art. 1°, nas operações de exportação para o exterior, será de treze por cento.

    Art. 3° Esta Resolução entra em vigor em 1° de junho de 1989.

    Senado Federal, 19 de maio de 1989.

Competência para a Concessão de Benefícios Fiscais.

Na implantação de determinada política fiscal, o Estado deve respeitar os princípios insertos na Constituição, originários dos princípios universais de justiça. A concessão de benefício fiscal que desonera de tributo determinada operação deve ser oportunizada a todos os contribuintes em iguais condições de determinado segmento econômico, sem restrição. Caso contrário, mesmo que o benefício tenha fundamento legal, ao ponderarmos os princípios da legalidade e da igualdade e identificarmos que a oportunidade é injustificavelmente restrita a alguns contribuintes, tal benefício deve ser considerado inconstitucional e, portanto, deve ser expurgado do sistema jurídico. Também deve ser rejeitado o benefício fiscal nos casos de não ser atendida a sua finalidade, por exemplo, quando visar à redução dos preços de determinadas mercadorias e tal conseqüência não se efetivar, como aconteceu em relação à implantação da cesta básica. Segundo o Prof. Alfredo Meneghetti Neto: “Chegou-se à conclusão de que a evolução dos preços da ração essencial, de dezembro de 1991 a outubro de 1992, foi maior justamente naquelas capitais onde havia o incentivo do ICMS” (Os efeitos da redução do ICMS da cesta básica. Indicadores econômicos FEE: análise conjuntural. Porto Alegre: FEE, 1993 p. 181 e ss).

Somente o legislador é competente para definir o alcance dos benefícios fiscais.


Dessa forma, possível inconstitucionalidade da legislação que concede determinado benefício fiscal não deve ficar adstrita apenas à restrição ao aproveitamento do crédito, devendo alcançar o texto legal na sua íntegra. Nos casos de legislação que reduza a base de cálculo em determinadas operações, possível declaração de inconstitucionalidade deve alcançar tanto a restrição ao crédito quanto à redução do débito.

Pelo exposto, não podemos admitir a concessão de benefícios fiscais pelo intérprete. Assim, possível inconstitucionalidade da legislação reguladora do benefício, se for o caso, deve alcançar toda a norma, jamais podendo haver uma declaração de inconstitucionalidade parcial, pois estaria desigualando contribuintes iguais, numa interpretação injusta. Da mesma forma, será injusta qualquer interpretação conforme a Constituição da legislação que regular benefícios fiscais, apenas com referência à regra da não-cumulatividade ou com referência à regra de não estorno nas operações isentas por ofensa a outros princípios constitucionais que também devem ser respeitados (legalidade específica e federalismo) que, tratando-se de desoneração de tributos, devem preponderar sobre as regras referidas que regulam o cálculo do imposto devido em cada operação.

Princípio da Praticabilidade

DERZI, Misabel Abreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 789: “Os princípios da igualdade e da capacidade contributiva são abrandados por meio do princípio da praticidade ou praticabilidade. Por meio desse último princípio devem ser evitadas execuções muito complicadas da lei, especialmente naqueles casos em que se deve executar a lei em massa. Mas indiretamente, como observa K. Tipke, também o princípio da praticidade serve ao da igualdade, no sentido de generalidade, pois leis que não são praticamente exeqüíveis, não podem ser aplicadas igualmente a todos. E ainda lembra Tipke que o princípio da praticidade, como princípio técnico primário, não deve ser valorado da mesma forma que os princípios éticos (igualdade e capacidade contribuitiva), embora os limites entre uns e outros até hoje não estejam bem definidos. (V. Steuerrecht, Köln, Otto Schmidt, 1983, p. 35). Os estudos mais aprofundados sobre as técnicas relacionadas à praticidade, que estão voltadas a possibilitarem a execução simplificada, econômica e viável das leis (entre elas a tipificação), foram desenvolvidos pelos juristas alemães, nas últimas décadas. […] Sem dúvida, a permissão constitucional expressa, ditada em nome da praticidade, representa um abrandamento da igualdade e da capacidade contributiva, embora não represente rompimento algum com a legalidade, ao contrário, poderá exterminar os numerosos casos de instituição de substituição tributária no Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e Serviços, sem lei, por meio de norma regulamentar. Caberá ao Poder Judiciário fixar os limites à norma do art. 150, § 7°, e coibir os abusos, que, sob invocação de seu manto protetor, serão tentados pela Administração Fazendária”. CÔELHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de direito tributário brasileiro Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 250: “Nas modernas sociedades de massas, a tentação dos Fiscos, escudados nos ‘grande números’ e em nome da ‘racionalização’, é para ‘simplificar’ a tributação. Fala-se, muito, no princípio da ‘praticabilidade’. Ao meu sentir, este tal não foi e jamais será princípio jurídico. É simples tendência para igualar e simplificar, sem considerar os princípios da justiça, da igualdade e da capacidade contributiva. E, a não ser que os respeite ou seja benéfico ou opcional para o contribuinte, não poderá prevalecer. Em adversas circunstâncias o princípio do não-confisco na medida que confronta os desvarios fiscalistas, é de grande importância para combater as ficções e presunções fiscais abusivas”.

Os Reflexos das Operações Isentas ou com Alíquota Zero na Apuração do ICMS

Uma observação importante a ser feita refere-se às similitudes e diferenças entre operações isentas e operações com alíquota zero, apesar de o atual modelo do ICMS não alcançar essa possibilidade de redução de alíquota. Ambas as operações têm um débito de ICMS igual a zero. Se nada geram de imposto, por óbvio não podem gerar crédito para as operações subseqüentes. Porém, enquanto a operação isenta, em geral, não aproveita o crédito derivado de operações anteriores (CR, art. 155, § 2º, II: “a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes”.), a operação com alíquota zero, ao contrário, em geral, deveria aproveitar o crédito das operações anteriores, incidindo a regra geral da não-cumulatividade (CR, art. 155, § 2º, I: “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.) mesmo que não gere débito.

Portanto a omissão do legislador gera efeitos distintos, impondo à operação isenta o não aproveitamento do respectivo crédito e à operação com alíquota zero, o aproveitamento integral. Não obstante, em ambos os casos, entendemos que poderá o legislador optar por condicionar tais desonerações a percentuais de crédito, entre zero e 100%, sem necessariamente ofender à não-cumulatividade enquanto princípio que busca a neutralidade do ICMS. Afinal, desde que a restrição importe num montante de ICMS menor do que o incidente quando da tributação integral, as restrições ao crédito para a concessão do benefício serão legítimas por não provocarem sobreposição do ICMS ao longo da cadeia produtiva. Quem pode o mais (manter a tributação integral), pode o menos (reduzir a tributação sob certas condições).

Conceito de ICMS

Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e prestações se iniciem no exterior. Trata-se de um conceito de origem constitucional (art. 155, II da Constituição da República).

Veja os significados de outras palavras e expressões no Dicionário do ICMS.

Emissão de Documento Fiscal para Mercadorias Desoneradas de ICMS

Mesmo para as operações com mercadorias cuja incidência trbutária seja desonerada (isenção, imunidade, base de cálculo reduzida para zero) mantém-se a exigência de emissão da nota fiscal quando da circulação. Veja-se, por exemplo, previsão expressa no Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Em que pese tais desonerações muitas vezes representarem a exclusão do débito de ICMS, a emissão de documentos fiscais, além de sustentarem a exigência de outros tributos (Imposto de Renda, por exemplo), servem de referência para a apuração do índice de participação dos municípios no produto de arrecadação do ICMS de cada Estado. O mesmo raciocínio serve para operações ao abrigo do diferimento (por exemplo, saídas de mercadorias de produtores primários) quando também o sistema jurídico, em regra, não prescinde da emissão do documento fiscal exigido na legislação, sob pena de ser cobrado do remetente o ICMS da operação.

O ICMS é um Imposto sobre o Valor Adicionado?

No único sentido admitido em termos de ICMS, o conceito de Valor Adicionado tem relevância para o cálculo da participação dos Municípios no produto da arrecadação do ICMS. Assim, Valor Adicionado é o valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações dos serviços, no território de cada Município, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil. Tem previsão constitucional no art. 158, parágrafo único, com regras gerais de alcance nacional na Lei Complementar nº 63/90. Num outro sentido, que não traz conseqüências para a apuração do ICMS, seria a diferença entre o preço de venda e o preço de compra da mercadoria, isto é, o quantum agregado pelo contribuinte. É um conceito irrelevante para a apuração do ICMS devido, para o contribuinte individualmente considerado. Afinal, para a apuração do imposto devido, o ICMS é calculado compensando-se o imposto devido nas operações ou prestações com o imposto suportado nas operações anteriores.

Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz

O Confaz tem por finalidade promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional – CMN na fixação da política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e do Distrito Federal e na orientação às instituições financeiras públicas estaduais.
Entre outras atribuições, compete ao Confaz promover a celebração de convênios, para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do imposto de que trata o inciso II do art. 155 da Constituição (ICMS), de acordo com o previsto no § 2º, inciso XII, alínea "g", do mesmo artigo e na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975.
O Conselho é constituído por representante de cada Estado e Distrito Federal e um representante do Governo Federal. Representam os Estados e o Distrito Federal os seus Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação.

Veja os significados de outras palavras e expressões no Dicionário do ICMS.